Saudade não dorme

21/06/2018

      Por Mika Andrade

   Talvez seja possível trançar os fios da lembrança e fazer um belo bordado permanente de boas recordações. O fio passa por baixo do pano, conto os espaços e permito-me transbordar em emoções. Bordo preferencialmente em ponto-cruz, como forma de cruzar as lembranças com os pensamentos saudosistas.

    Basta sentar-me no chão e a sinto ao meu lado; sua presença indecifrável com cheiro de flores perfumando o ar fantasiosamente. Recordo-me inevitavelmente do quintal de sua casa, cheio de plantas, onde ela fazia questão de habitar e reconhecer-se como um ser nascente da terra também, raízes fincadas ao chão, mulher-árvore forte, guerreira, enfrentando várias tempestades e sempre conseguindo manter-se de pé.

    Esses dias lembrei-me da plantinha sensitiva Mimosa Pudica L. conhecida popularmente como dormideira, dorme-dorme ou malícia, e esse seu último nome me fez resgatar um questionamento que a minha avó usava constantemente comigo: "por que tu murchas, malícia?". Bastava um toque sem consentimento ou uma palavra no tom errado e eu fechava-me em mim mesma. Mesmo com ela.

    Ultimamente, minha mãe tem adotado esse questionamento e usado bastante comigo, mas ela sabe o motivo pelo qual me fecho - acredito que o uso contínuo da frase seja mais para invocar a lembrança de sua mãe dizendo-me o mesmo e, assim, fazer com que eu não "murche" tanto. Se é que é possível murchar só um pouco e não por completo diante dos problemas da vida.

    Saudade é um sentimento complicado e único - até em palavra. Difícil superar. Fica apenas na vontade o abraço, o cheiro, a conversa, os conselhos, o carinho, o amor demasiado, a voz dela. Tudo crescendo e encolhendo de acordo com o dia e as lembranças.

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