Nossa história: literatura,feminismo & crônicas


     O Bora Cronicar nasceu como um espaço coletivo. A ideia inicial era ser um local onde pessoas de diversos lugares da arte pudessem escrever crônicas, revelando suas perspectivas singulares sobre o mundo, a vida e seus cotidianos. Deste modo, o blog tencionava ser um lugar de todos e muitas contribuições maravilhosas foram enviadas por fotógrafos, poetas, aquarelistas etc.

     A crônica, todavia, é um gênero caprichoso. Segundo o professor Antônio Cândido, ela não é um "gênero maior", mas é sua singularidade que lhe confere liberdade e personalidade. Seu corpinho miúdo lhe permite ser , assim como diz o bom professor, "(...) amiga da verdade e da poesia nas suas formas mais diretas e também nas suas formas mais fantásticas, sobretudo porque quase sempre utiliza o humor.  

     Assim, alguns artistas eram capazes de escrever crônicas, porém outros estrebuchavam dias em uma furiosa luta com seus escritos, dizendo-me depois que a crônica os havia nocauteado e fugido pela janela. Entendi , então, que é um privilégio do cronista escrever crônicas com facilidade. Comecei uma jornada em busca destes seres encantados, meus irmãos de palavras, indagando-me sempre aonde e até quem me levariam as crônicas. Caminhei, pois, por blogs e revistas eletrônicas de crônicas, mas algo me deixou desconcertada: poucas mulheres eram cronistas!

     O leitor pode julgar-me exagerada, mas é de se desconfiar encontrar um quadro fixo de cronistas no qual, de vinte escritores, apenas dois são mulheres. Percebi-me, então, tropeçando em uma partícula histórica e social: escrever, por muito tempo, não foi o lugar social das mulheres. Obviamente, isso não que dizer que não existam mulheres escritoras ou que as mulheres não tenham capacidade para escrever. Isto significa, apenas, que começamos a jornada mais tardiamente devido a um dilúvio de percalços sociais e históricos. Chegamos, desta maneira, mais tarde aos lugares que queremos ocupar, até hoje navegando barquinhos de papel em um mar de dificuldades que às vezes nos passam despercebidas, porque estão naturalizadas e cristalizadas. Enfatizo, contudo, que sempre chegamos, porque todo abismo é navegável a barquinho de papel - é Guimarães Rosa quem garante esta aerodinâmica mirabolante e eu também boto fé. 

      Bem, e o que fazer então? Poesia. Como ocupar este lugar? Entendendo que esta luta não é de armas, de argumentos cegos ou de ressentimentos surdos. É uma luta de diálogo, de ouvir e de dizer.  Não se trata de ganhar uma batalha ou uma guerra, mas de transformar uma realidade árida com amor. Existe arma mais poderosa que a palavra para  isto realizar ? Jamais. Pela palavra e via literatura, surpreendi-me , então, com uma maneira de expandir o lugar do feminino, ocupando este lugar que me toca duplamente por ser mulher e por escrever crônicas.

      Assim, pois, o Bora Cronicar virou espaço delas,  as talentosas cronistas mulheres. Só assim ele será, de fato, espaço de todos.


Fernanda Carvalho  

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